No Cine Vídeo do Papai você pode assistir filmes pornôs, jogos de futebol, ‘coisar’, ou deixar na Globo
Entre 'grupos escolares' e 'loiras peitudas' está a faixa do Papai Cine Video
No dia 27 de maio de 2010, Natal ganhou uma nova atração cinematográfica. Nada que possa ser comparado às grandes redes de cinema já existentes na cidade (Cinemark e Moviecom), mas é algo que supera o impacto sensorial do famigerado “3D”. No entanto, pela cidade nada se falou sobre essa nova atração, nem ao menos nos ciclos de discussões formados por cinéfilos, nem nos veículos culturais da cidade, nem uma nota, nem um comentário, nada. Talvez apenas os freqüentadores do antigo sebo localizado no número 623 da rua Voluntários da Pátria, tenham se dado conta do novo “cinema” da cidade. O fato é que em canto nenhum da província natalina se falou do Papai Cine Vídeo.
A primeira vez que passei às portas da broxante casa gradeada de azul - em que ainda pode ser visto o nome “SEBO”, quase que rupestricamente pintado de amarelo - ouvi nitidamente alguns sussurros e gemidos orgasmáticos, que aliados às placas e dizeres de “proibida a entrada de menores de 18 anos”, anunciava o que já era esperado. Eu estava em frente ao mais novo estabelecimento cinepornô da cidade.
Cinco dias após ter descoberto a existência do Papai Cine Vídeo, voltei ao local para tentar uma entrevista com o proprietário do estabelecimento – que eu esperava chamar-se “Papai”, claro! Chamei meu amigo e aprendiz de fotógrafo, Yuri Padilha, 21, sabendo que ele levaria consigo sua Panasonic Lumix DMC-FZ28, que, pela codificação letra-numérica, deve ser uma câmera boa. Não entendo quase nada de câmera fotográfica.
Era quinta-feira, 17 de junho, 15h, a chuva acabara de dar uma trégua e não se ouviam os gemidos que da outra vez ouvi. Eu e Yuri entramos no local. Na bilheteria nos deparamos com um “cabra” de aproximadamente 30 anos, trajando camisa e bermuda, e que na ocasião assistia o jogo França x México, pela Copa do Mundo, na Globo. A televisão de 14 polegadas, a “caixa registradora” e mais sete aparelhos de DVD indicavam que ele não só era o bilheteiro, como também o projetista do “cinema”.
“Rapaz, deixe pra próxima”, era o que ele dizia olhando para a TV. Mas o silêncio deixado no ar não era de quem não queria falar. Eu só precisava achar a forma certa de desenrolar a conversa e quebrar o medo, timidez, ou seja lá o que fosse. “Rapaz, não é nada de mais. Me diga apenas como surgiu a idéia de montar o cinema...”, disse tentando convencê-lo. Antes mesmo que eu terminasse a frase, o sujeito soltou um risinho no canto da boca e disse: “Essa é um história curiosa... (risos) Mas deixe pra próxima!”. O cabra de sotaque cearense acabara de instigar um dos instintos mais primitivos do homo-jornalisticus: a curiosidade. Foi aí que eu, já desesperado, encostei meu rosto na janelinha de vidro e insisti pra que ele me contasse ao menos a “história curiosa”. Quem já teve um carro velho, sabe que o motor precisa ser aquecido antes que você se atreva a passar a primeira marcha. Foi assim que fizemos. Devagar, em tom pausado, ele foi contando a gênese do “Papai Cine Vídeo”.
“Rapaz, tudo começou quando um dos sócios (ao todo são três), numa noite de domingo, lá pelas 22h, conheceu uma ‘criatura’ e resolveram...”. Aqui, curiosamente ele faz uma pausa, enrubesce as maçãs da face, e com o puritanismo de uma carola, coloca a mão na boca – como quem conta um segredo – e diz sussurrando a tão temida palavra: “transar”.
Agora aliviado, ele retoma o ritmo da narrativa e prossegue. “...no banheiro do cinema pornô. Na hora que eles tavam ‘coisando’ ele teve a idéia de abrir um cinema. Coincidentemente, alguns dias depois ele estava numa famosa barraca de Fortaleza, a Crocobeach, na Praia do Futuro, quando um homem tocou no ombro dele e o chamou. Ele chega se assustou quando viu que era o dono do cinema pornô onde ela havia ‘coisado’. Ficaram conversando, e o dono do cinema convidou ele pra abrir um cinema pornô que funcionaria no esquema de cabines. E aí...”.
Nesse momento ele olha pra alguém que estaria por trás de mim, e começa a apontar com a cabeça. Era um cliente. Um senhor de aproximadamente 50 anos, que pela naturalidade e pouca conversa, provavelmente já estaria habituado com as sessões. Saio de cena para que o senhor possa comprar tranquilamente a sua entrada. O senhor entra, e nós prosseguimos nossa – agora sim – entrevista. Além dessa, nós seríamos interrompidos mais duas vezes, durante os 30 minutos que durou a entrevista. Uma vez por um rapaz magro, camisa pólo, calça jeans, bem vestido, aparentando 20 anos; e outra vez por um gordinho moreno, na casa dos 30, que por ser a primeira vez, foi logo perguntando como as coisas funcionavam ali.
Em primeira marcha – antes que o carro morra – pergunto como surgiu o nome Papai Cine Vídeo. “Nós trabalhávamos num bar em que o dono era conhecido por ‘Papai’. E o pessoal acabava chamando a gente de ‘Papai’ também. Daí a gente passou a adotar esse nome. Quando nos apresentávamos a alguém, dizíamos: ‘Meu nome é Carlos. Mas pode me chamar de ‘Papai’”. Aqui eu faço uma observação. Sem perceber, em alguns momentos ele citava os nomes Ari, Edvaldo e Carlos, nomeando os três sócios. Não sei ao certo quem era quem. Tenho a impressão que ele era o Carlos, mas com o receio que ele estava, tive medo de perguntar e a matéria acabar por ali mesmo.
O Carlos – acho que esse seja ele - disse que o Papai Cine Vídeo, já existe há três anos e meio em João Pessoa, e há cerca de dois em Teresina. “Sempre fazemos um trabalho de pesquisa. Um de nós escolhe uma cidade, vai até ela, conhece o local, pesquisa, faz amizades, contatos, e depois vamos até lá e montamos o cinema”. Perguntei então como era o funcionamento do local. “Você paga, e passa o tempo que quiser”. Perguntei quais eram os atrativos. “Temos quatro ambientes e cabines individuais. A pessoa pode entrar sozinha, ou acompanhada”. Ao perguntar se havia algum tipo de restrição, ele foi categórico ao dizer: “Só não deixamos entrar menores, nem prostitutas, pra poder manter a ordem”. Quando perguntei que tipos de filmes eram exibidos, ele disse: “Temos filmes de hetero, bi, de gay, com animal... Esses de animal podem ser a pessoa com o animal, ou só os animais. Temos carnaval, e de lésbica. Filmes brasileiros e americanos. Sempre deixamos uma sala com filmes gay, outra com filmes hetero, e uma para bi, de travesti, carnaval e etc”.
Ele explicou que como faz pouco tempo que chegaram a Natal, ainda estão se estruturando, mas que em João Pessoa o Papai Cine Vídeo já é bem organizado. “Temos sala de bate papo, um quintal aberto onde deixamos uma tevê passando clipes, ou colocamos na Globo”, conta envaidecido. “Inclusive, agora durante a Copa, estamos transmitindo todos os jogos nas TVs”. Perguntei se mesmo com o pouco tempo em Natal, ele já poderia traçar um perfil da clientela. “Ah! O pessoal daqui é muito bom. É educado. Me surpreendi. Sempre colocamos avisos para não deixarem lixo nas cabines, nem jogarem nada no chão. Afinal, aquele espaço é pra eles mesmos, né? Sempre dizemos que eles devem zelar pelo seu local de lazer”. Fomos novamente interrompidos por um cliente. Ao voltarmos, o Carlos parecia estar mais interessado no embate entre França e México, do que em nossa entrevista.
Antes de soltar um: “Ta bom, né? Já deu”, ele disse que sempre distribuem camisinhas e cortesias aos clientes. “Inclusive, se vocês quiserem levar umas...”, e nos entregou um punhado de papeizinhos onde lia-se: “PAPAI CINE VÍDEO – FILMES PORNÔS DE TODOS OS GÊNEROS – 4 AMBIENTES E CABINES INDIVIDUAIS – ABERTO DIARIAMENTE das 10:00h às 20:00h – Rua Voluntários da Pátria, 632 (Na praça João Maria, por trás do Banco do Nordeste) – COM ESTA CORTESIA SÓ PAGA R$ 2,00”. Só não sei se por erro, por medo, ou por respeito, o sacerdócio do finado Padre João Maria, foi retirado do ponto de referência, ao citarem a praça que leva seu nome e hospeda um busto seu.