quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

Não é que Pedro fosse um cara ruim, ele só não era um cara bom


Nunca abria a porta do carro, e o principal motivo era justamente por não ter um.
Não dava gorjetas, nem dez por centos.

Não fazia direito, medicina, ou engenharia.
Não ligava pra dia dos namorados, natais, ano novo... E considerava todas essas coisas de uma falsidade e cafonice sem tamanho que, regadas a consumismos exacerbados, não valiam a pouca grana que tinha.
Não paparicava a família dela. Na verdade detestava presentinhos, bajulações, abraços, beijinhos e qualquer coisa que demonstrasse um fingimento latente.

Pedro não era um cara bom.

E por todos esses motivos - e alguns outros mais -, Pedro acreditava não ser bem quisto pela família dela. Talvez uma mentirinha, um “teatrinho”, uma falsidade, tivessem lhe caído bem e amenizado as dores, mas não era do seu feitio. A sua recusa pela religião da família dela transformara todo o embate em uma guerra santa, que, assim como todas as outras, de santa só levam o nome.

Mas Pedro sempre foi teimoso. Um amante teimoso. Sobre sua amada descansava seus olhos, e sobre sua cabeça todos os planos de um futuro feliz. E foi assim que durante muitos anos Pedro encarou a vida. Vestia sua armadura e colocava seu elmo, preparando-se para mais um dia em que teria de lutar em nome do amor.

Lutou.

Hoje, aos 86 anos, com a armadura quebrada, o elmo rachado, e as duas alianças que usa na mão esquerda, Seu Pedro descansa no banco de uma praça.
Ele sabe que não é um cara ruim, apenas lamenta o fato de não ter sido um cara bom.

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Crédito da foto:
http://www.luizberto.com/wp-content/velho_em_banco.jpg


quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

Sabe qual é...


http://gestao.adv.br/blog_gestaoadvbr/wp-content/uploads/2010/07/executivo-mart1najust.jpg


...o pobrema das pessoa? É que elas só vê as aparença.




quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

vinteeseisdenovembrodedoismileonze


Tudo começou quando numa noite de verão nos sentamos à beira mar e olhamos a lua cheia. Sorrimos, gritamos, cantamos, brincamos, e resolvemos namorar. Namoramos, namoramos, namoramos... Até que um dia resolvi fazer-lhe uma surpresa. Encomendei as melhores flores, os chocolates mais caros, pedi pra sair do trabalho mais cedo, vesti minha melhor roupa, e corri para o trabalho dela. Chegando lá, sua mesa já estava abarrotada com os presentes que eu havia enviado. Percebendo o semblante de euforia em seus lindos olhos, e o belo sorriso que ensaiava sair da sua boca, decidi aproveitar esse momento. Ajoelhei-me diante de todos os seus colegas de trabalho – inclusive daquela encalhada do setor pessoal que vive falando mal da vida alheia – e disse de uma vez só: “Suylannie, casa comigo?”. Assim mesmo, rápido e rasteiro, antes que o nervosismo tomasse conta de mim e trouxesse a gagueira a tona.


Alguns breves - mas não tão rápidos - momentos se passaram até que por fim a resposta refletisse nos seus olhos e explodisse na sua boca. “Sim!”. Sim... Ela disse sim! Pronto... Está feito! Ela disse sim!


Considero-me agora um bom canalha. Pois toda essa história muy bela não passa de ficção. Exceto pelos detalhes (os lindos olhos e o belo sorriso) da menina moça Suy. O fato é que nunca começamos a namorar numa praia... Digamos que tenha sido numa quadra de basquete. Como bom canalha, nunca lhe dei flores. Já dei beijos, abraços, cacarecos, bugigangas, livros, doces, e até um hamster guardado numa embalagem de quentinha. Mas flores... Nunca. Ou melhor, lembro-me agora de um dia ter lhe dado um botão de rosa. É... Acho que foi. Mas enfim! Assim como nunca dei-lhe flores, também nunca ousei comprar os chocolates mais caros, nem ao menos vestir minha melhor roupa... Tudo isso nunca foi necessário por um simples motivo. Eu nunca pedi que ela se casasse comigo. Pelo menos não com toda a pompa e firulas que os pedidos costumam ter. Em diversas conversas que tivemos em momentos que não faziam o menor sentido. Virava-me para ela e perguntava: “Casa comigo?”. E ela sempre respondia sim.


E é com este texto sem pé nem cabeça, que eu (Alex) e ela (Suy) inauguramos este blog¹, para falar de mim, dela, de nós dois, deles, de alguém, de ninguém, mas principalmente de coisas relacionadas ao nosso casamento, programado para ser realizado daqui a um ano e sete dias. E será nesse dia 26 de novembro de 2011, que eu deixarei de ser um canalha mentiroso que inventa histórias por nunca tê-las vivido, e passarei a ser o cara que ouviu um “sim”, quando numa madrugada de sexta-feira, escrevendo um texto para um blog, afiou os dedos, escolheu as teclas, e digitou... SUYLANNIE, QUER CASAR COMIGO?

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¹Texto que escrevi para a minha pequena, e foi postado no blog dela.
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terça-feira, 5 de outubro de 2010

Sambassim

Foto retirada do Flickr de holandazé

A menina moça má cantava na janela de seus olhos a canção do amor vivido, do amor contido, perdido e reprimido. Com pernas bambas dançava em tom maior. Sambava num samba só. Chorava em mi menor. Na viola do seu corpo, só os dedos do sambista, do bêbado, do equilibrista.

-Menina, não chore mais. Por ventura já não ouvistes o samba do grande amor?



quinta-feira, 16 de setembro de 2010

É gozado como tem gente que sente prazer em ir ao cinema


Por Alex Rodrigues para a Agência Fotec

No Cine Vídeo do Papai você pode assistir filmes pornôs, jogos de futebol, ‘coisar’, ou deixar na Globo

Foto: Alex Rodrigues
Entre 'grupos escolares' e 'loiras peitudas' está a faixa do Papai Cine Video

No dia 27 de maio de 2010, Natal ganhou uma nova atração cinematográfica. Nada que possa ser comparado às grandes redes de cinema já existentes na cidade (Cinemark e Moviecom), mas é algo que supera o impacto sensorial do famigerado “3D”. No entanto, pela cidade nada se falou sobre essa nova atração, nem ao menos nos ciclos de discussões formados por cinéfilos, nem nos veículos culturais da cidade, nem uma nota, nem um comentário, nada. Talvez apenas os freqüentadores do antigo sebo localizado no número 623 da rua Voluntários da Pátria, tenham se dado conta do novo “cinema” da cidade. O fato é que em canto nenhum da província natalina se falou do Papai Cine Vídeo.

A primeira vez que passei às portas da broxante casa gradeada de azul - em que ainda pode ser visto o nome “SEBO”, quase que rupestricamente pintado de amarelo - ouvi nitidamente alguns sussurros e gemidos orgasmáticos, que aliados às placas e dizeres de “proibida a entrada de menores de 18 anos”, anunciava o que já era esperado. Eu estava em frente ao mais novo estabelecimento cinepornô da cidade.

Cinco dias após ter descoberto a existência do Papai Cine Vídeo, voltei ao local para tentar uma entrevista com o proprietário do estabelecimento – que eu esperava chamar-se “Papai”, claro! Chamei meu amigo e aprendiz de fotógrafo, Yuri Padilha, 21, sabendo que ele levaria consigo sua Panasonic Lumix DMC-FZ28, que, pela codificação letra-numérica, deve ser uma câmera boa. Não entendo quase nada de câmera fotográfica.

Era quinta-feira, 17 de junho, 15h, a chuva acabara de dar uma trégua e não se ouviam os gemidos que da outra vez ouvi. Eu e Yuri entramos no local. Na bilheteria nos deparamos com um “cabra” de aproximadamente 30 anos, trajando camisa e bermuda, e que na ocasião assistia o jogo França x México, pela Copa do Mundo, na Globo. A televisão de 14 polegadas, a “caixa registradora” e mais sete aparelhos de DVD indicavam que ele não só era o bilheteiro, como também o projetista do “cinema”.

“Rapaz, deixe pra próxima”, era o que ele dizia olhando para a TV. Mas o silêncio deixado no ar não era de quem não queria falar. Eu só precisava achar a forma certa de desenrolar a conversa e quebrar o medo, timidez, ou seja lá o que fosse. “Rapaz, não é nada de mais. Me diga apenas como surgiu a idéia de montar o cinema...”, disse tentando convencê-lo. Antes mesmo que eu terminasse a frase, o sujeito soltou um risinho no canto da boca e disse: “Essa é um história curiosa... (risos) Mas deixe pra próxima!”. O cabra de sotaque cearense acabara de instigar um dos instintos mais primitivos do homo-jornalisticus: a curiosidade. Foi aí que eu, já desesperado, encostei meu rosto na janelinha de vidro e insisti pra que ele me contasse ao menos a “história curiosa”. Quem já teve um carro velho, sabe que o motor precisa ser aquecido antes que você se atreva a passar a primeira marcha. Foi assim que fizemos. Devagar, em tom pausado, ele foi contando a gênese do “Papai Cine Vídeo”.

“Rapaz, tudo começou quando um dos sócios (ao todo são três), numa noite de domingo, lá pelas 22h, conheceu uma ‘criatura’ e resolveram...”. Aqui, curiosamente ele faz uma pausa, enrubesce as maçãs da face, e com o puritanismo de uma carola, coloca a mão na boca – como quem conta um segredo – e diz sussurrando a tão temida palavra: “transar”.

Agora aliviado, ele retoma o ritmo da narrativa e prossegue. “...no banheiro do cinema pornô. Na hora que eles tavam ‘coisando’ ele teve a idéia de abrir um cinema. Coincidentemente, alguns dias depois ele estava numa famosa barraca de Fortaleza, a Crocobeach, na Praia do Futuro, quando um homem tocou no ombro dele e o chamou. Ele chega se assustou quando viu que era o dono do cinema pornô onde ela havia ‘coisado’. Ficaram conversando, e o dono do cinema convidou ele pra abrir um cinema pornô que funcionaria no esquema de cabines. E aí...”.

Nesse momento ele olha pra alguém que estaria por trás de mim, e começa a apontar com a cabeça. Era um cliente. Um senhor de aproximadamente 50 anos, que pela naturalidade e pouca conversa, provavelmente já estaria habituado com as sessões. Saio de cena para que o senhor possa comprar tranquilamente a sua entrada. O senhor entra, e nós prosseguimos nossa – agora sim – entrevista. Além dessa, nós seríamos interrompidos mais duas vezes, durante os 30 minutos que durou a entrevista. Uma vez por um rapaz magro, camisa pólo, calça jeans, bem vestido, aparentando 20 anos; e outra vez por um gordinho moreno, na casa dos 30, que por ser a primeira vez, foi logo perguntando como as coisas funcionavam ali.

Em primeira marcha – antes que o carro morra – pergunto como surgiu o nome Papai Cine Vídeo. “Nós trabalhávamos num bar em que o dono era conhecido por ‘Papai’. E o pessoal acabava chamando a gente de ‘Papai’ também. Daí a gente passou a adotar esse nome. Quando nos apresentávamos a alguém, dizíamos: ‘Meu nome é Carlos. Mas pode me chamar de ‘Papai’”. Aqui eu faço uma observação. Sem perceber, em alguns momentos ele citava os nomes Ari, Edvaldo e Carlos, nomeando os três sócios. Não sei ao certo quem era quem. Tenho a impressão que ele era o Carlos, mas com o receio que ele estava, tive medo de perguntar e a matéria acabar por ali mesmo.

O Carlos – acho que esse seja ele - disse que o Papai Cine Vídeo, já existe há três anos e meio em João Pessoa, e há cerca de dois em Teresina. “Sempre fazemos um trabalho de pesquisa. Um de nós escolhe uma cidade, vai até ela, conhece o local, pesquisa, faz amizades, contatos, e depois vamos até lá e montamos o cinema”. Perguntei então como era o funcionamento do local. “Você paga, e passa o tempo que quiser”. Perguntei quais eram os atrativos. “Temos quatro ambientes e cabines individuais. A pessoa pode entrar sozinha, ou acompanhada”. Ao perguntar se havia algum tipo de restrição, ele foi categórico ao dizer: “Só não deixamos entrar menores, nem prostitutas, pra poder manter a ordem”. Quando perguntei que tipos de filmes eram exibidos, ele disse: “Temos filmes de hetero, bi, de gay, com animal... Esses de animal podem ser a pessoa com o animal, ou só os animais. Temos carnaval, e de lésbica. Filmes brasileiros e americanos. Sempre deixamos uma sala com filmes gay, outra com filmes hetero, e uma para bi, de travesti, carnaval e etc”.

Ele explicou que como faz pouco tempo que chegaram a Natal, ainda estão se estruturando, mas que em João Pessoa o Papai Cine Vídeo já é bem organizado. “Temos sala de bate papo, um quintal aberto onde deixamos uma tevê passando clipes, ou colocamos na Globo”, conta envaidecido. “Inclusive, agora durante a Copa, estamos transmitindo todos os jogos nas TVs”. Perguntei se mesmo com o pouco tempo em Natal, ele já poderia traçar um perfil da clientela. “Ah! O pessoal daqui é muito bom. É educado. Me surpreendi. Sempre colocamos avisos para não deixarem lixo nas cabines, nem jogarem nada no chão. Afinal, aquele espaço é pra eles mesmos, né? Sempre dizemos que eles devem zelar pelo seu local de lazer”. Fomos novamente interrompidos por um cliente. Ao voltarmos, o Carlos parecia estar mais interessado no embate entre França e México, do que em nossa entrevista.

Antes de soltar um: “Ta bom, né? Já deu”, ele disse que sempre distribuem camisinhas e cortesias aos clientes. “Inclusive, se vocês quiserem levar umas...”, e nos entregou um punhado de papeizinhos onde lia-se: “PAPAI CINE VÍDEO – FILMES PORNÔS DE TODOS OS GÊNEROS – 4 AMBIENTES E CABINES INDIVIDUAIS – ABERTO DIARIAMENTE das 10:00h às 20:00h – Rua Voluntários da Pátria, 632 (Na praça João Maria, por trás do Banco do Nordeste) – COM ESTA CORTESIA SÓ PAGA R$ 2,00”. Só não sei se por erro, por medo, ou por respeito, o sacerdócio do finado Padre João Maria, foi retirado do ponto de referência, ao citarem a praça que leva seu nome e hospeda um busto seu.

sexta-feira, 30 de julho de 2010

Causa mortis...


Respiração ofegante. Veias salientes ameaçavam saltar da sua testa, irrigando de vermelho todos os pensamentos que tentava ter. Suor. Os batimentos cardíacos aumentavam à medida que as idéias diminuíam. Dor. Um engarrafamento sãopaulesco começava a surgir em sua metrópole neural. Calafrios. Um caos de idéias estagnadas pelo trabalho excessivo desertificava as plantações localizadas na área rural do cérebro do sujeito. Alucinações.

E com o parar do tempo, os sintomas se intensificavam. A boca seca salivava. Mal-humorado, atirava sorrisos para todo mundo. A família já não se continha de tanta preocupação. Os amigos começavam a se distanciar. Os médicos não conseguiam diagnosticar uma possível patologia.

...

Em dias de julho, um sujeito acaba de dar entrada na UTI do maior hospital do país especializado em doenças desconhecidas. Horas depois o médico sorridente e cauteloso comunica à família o falecimento do sujeito. “Causa mortis: Parada cardioinspiratória”.

quinta-feira, 1 de julho de 2010

Suco de mim



As lágrimas são o néctar da alma. Chorando, esprememos nosso ser, e derramamos em lágrimas, sucos de nós mesmos.

segunda-feira, 21 de junho de 2010

segunda-feira, 14 de junho de 2010

Duas cebolas, três tomates, manteiga, café e sabão (ou Mar Adriático parte II)



E desceu correndo as escadas do “barato e vagabundo” quarto, que fedia à ressaca, tabaco e suor, trajando uma bermuda ainda desabotoada e um All Star vermelho – sem cadarço, comprado numa liquidação.

“ - Adriana! Adriana!”, gritava ofegante enquanto a moça de cabelos ondulados cruzava a esquina carregando sacolas de compras – possivelmente entre todas aquelas coisas, haviam duas cebolas, três tomates, manteiga, café e sabão.

Olhando assustada, a primeira coisa que ela pensou foi: “– Como esse idiota descobriu meu nome? Só pode ser um maníaco, um doente, um... um... um...”. Seus pensamentos foram interrompidos por algo que há muito ela desejava ouvir.

“ – Adriana, você quer ajuda pra carregar as compras? Posso te ajudar a aliviar esse peso.”

Imediatamente – como se uma espécie de interruptor tivesse sido acionado – Adriana desabou num choro. Alberto não podia, não conseguia, e nem sabia o que dizer. Só o peito molhado pelas lágrimas de Adriana já dizia tudo o que não precisava ser dito.

Conforme o impacto das palavras de Alberto foi passando, Adriana se deu conta da sua situação. Toda a carapaça de durona, forte, sólida, que lutara para construir, ruía sob os olhares de um homem que ela mal lembrava o nome. Afastou-se de Alberto, e com os olhos baixos e molhados, proferiu apenas um “- Me desculpe!”, meio soluçado.

Alberto continuava de pé, ainda não conseguia achar as palavras certas.

“- Você não tem idéia de quantos anos esperei por alguém que me ajudasse a aliviar todo o peso que sinto. Toda a dor que suporto. Todo o fardo que levo...”. Respirou fundo e continuou. “- Não precisa dizer mais nada. Seu peito já me disse tudo o que eu desejava ouvir. Obrigado, muito obrigado! Agora vá, e, por favor, não me interprete mal, mas acho que você achou o que procurava em sua jornada. Siga viagem, tome seu rumo.”

Enfim as palavras chegaram à boca de Alberto.

“- Não, não posso ir embora. Eu preciso te conhecer...”

“- Deixe-me primeiro saber quem sou, deixe-me que eu me descubra. Durante anos me senti presa. Durante anos não me senti. Você me fez perceber que eu tenho uma vida inteira pra viver. Seu ar de aventureiro fez com que eu recolhesse as ancoras, e durante toda a noite de ontem, após ter falado com você, costurei as minhas velas e voltei a traçar mapas e rotas. Deixe-me navegar também, e algum dia nós nos encontraremos. E, por favor, não diga mais nada. Não insista em ficar. Sua permanência aqui atrapalharia tudo. Você perderia muito tempo tentando descobrir algo que ainda não merece ser conhecido.”

E dizendo essas palavras, Adriana largou as sacolas - deixando cair as duas cebolas, os três tomates, a manteiga, o café e o sabão – virou as costas e saiu. Foi navegar.

Alberto estava feliz. Tristemente feliz. Tudo o que ele sabia daquela mulher, era que ela se chamava Adriana. Coincidentemente, isso também era tudo o que ela sabia sobre si.

Voltando ao quarto, ele arrumou as suas poucas coisas, pagou a conta e partiu.

Estava de volta ao mar, à procura de novos portos.

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Leia mais:

Sete Mares ( ou "Porto 0" )

Mar Adriático (primeiro mar) ou "Porto 1"



quarta-feira, 9 de junho de 2010

A sordidez do homem que chora

Enquanto as cartas de Alberto não chegam...



Quão sórdido um homem pode ser, ao querer pra si tudo o que não quer? É tênue a linha que separa a vítima do algoz. Milésimos de segundo - ou apenas alguns anos - podem fazer com que no momento precedente ao gatilho puxado por nossos dedos, estejamos com a boca no cano de uma arma; minutos antes da corda ser cortada pelas nossas mãos, estejamos com ela amarrada ao pescoço; a pedra que lançamos ao mar poderá estar amarrada em nossas pernas.

Durante os doces anos da juventude, Sebastião foi impedido de experimentar o amor. Inúmeras rejeições fizeram com que ele aprendesse a saborear o gosto amargo da recusa. Os doces anos se passaram e Sebastião foi despertando interesse em algumas mulheres. Seu corpo estava longe de ser sexualmente atraente. Não tinha dinheiro, carro, e ainda morava com os pais. Mas ele detinha o poder das palavras. As palavras, se bem utilizadas, poderia trazer-lhe qualquer mulher. Qualquer uma. Estava aí o grande, saboroso, e frio prato que ele tanto desejou. A vingança. Sebastião não perdoava. Era um serial killer de mão cheia. Nunca derramou uma gota de sangue, mas certamente contribuiu para que inúmeros lençóis solitários fossem encharcados com litros de lágrimas.

Ele seduzia aquelas mulheres. Fazia com que elas se apaixonassem por ele, e no momento seguinte, desferia o golpe de misericórdia. “Quero apenas ser seu amigo”, era a frase que ele executava com a destreza de um membro da Yakuza. Quando tudo estava resolvido, suas vítimas, após sofrerem, agora encontravam novos caminhos para viver. Sebastião as desejava de volta. E novamente se perguntava: Quão sórdido um homem pode ser, ao querer pra si tudo o que não quer? E chorava. Sebastião chorava. Diante da sordidez de seus desejos, ele chorava. E voltava a ser humano. E renascia como homem.

quinta-feira, 3 de junho de 2010

A palavra com A


Adoro o som dessa palavra. Capitaneadas por um belo "A", as quatro letras representam linguisticamente um universo de sensações. Como pode tal dissílabo ser guardião de um mundo inteiro? Quando penso em todas as coisas que me rodeiam, é essa palavra que me vem à mente. Encho o peito com o dissílabo. Encho a boca com as quatro letras. Grito: ASCO!
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Inspirado por ela.

terça-feira, 1 de junho de 2010

Mar Adriático (primeiro mar)

Mar Adriático é um braço do mar Mediterrâneo que banha a Itália, a Eslovénia, a Croácia, a Bósnia e Herzegovina, o Montenegro e a Albânia. Nele se localizam as ilhas Jónicas e Dámatas, paralelas à costa. Ao norte fica o golfo de Veneza que outrora chegava até Ádria, cidade que deu o nome àquele mar.


Quatro dias após ter fixado o bilhete de despedida, na placa próxima ao porto, Alberto atracou. Tudo por causa daquela vista. Os cabelos dela possuíam uma ondulação digna dos grandes mares bravios enfrentados pelos primeiros navegadores. Eis o primeiro mar, dos sete, que Alberto pôs-se a desbravar.

A rua principal da pequena cidade, composta por imigrantes italianos, estava bastante movimentada, mesmo já havendo passada a hora costumeira em que as famílias jantam. Alberto procurava um albergue, pousada, praça, marquise... Qualquer teto que desse o mínimo de sombra aos primeiros raios de sol que surgissem. Nunca conseguiu adquirir o hábito de acordar cedo. “Gosto de dormir até acordar”, costumava dizer aos que o chamavam de preguiçoso.


“-Lindos cabelos.”

“-Obrigado”, respondeu secamente.
“-Posso saber seu nome?”
“-Não.”

“-Me chamo Alberto.”
“-E eu com isso?”
“-Calma, moça. Bela e brava... Lembra-me os grandes mares pelos quais navego.”
“-Logo se vê um marujo de primeira viajem... Sempre tentam bancar o capitão. É melhor tentar ancorar em outro porto.”
“-Espera! Não conheço ninguém nessa cidade. Sequer sei o nome dela. Poderia ao menos ter a gentileza de me indicar um local para dormir?”
“-Olha, já estou te dando papo demais. A última coisa que eu vou te dizer, é que existe uma pousada no fim dessa rua...”, nesse momento a mulher tirou da bolsa um pedaço de papel e com um lápis de olho escreveu. “-Toma - entrega o papel -, dizem que é barata e vagabunda. Talvez faça seu tipo...”. E com isso saiu a passos largos.


Alberto calou-se diante do mar revolto que acabara de encontrar. Seus olhos continuavam seguindo aquela mulher. Alberto não desistiria. "Em certos dias, mesmo os mares mais bravios, descansam, e sopram as velas auxiliando os homens do mar", pensou.

Quando as curvas daquela mulher sumiram nas curvas de uma esquina, Alberto lembrou-se do papel. “Hotel Pousada Sossego”. Depois da tempestade, a calmaria - é o que costumam dizer. Dobrando o papel para pôr no bolso da calça, Alberto percebeu que no verso havia algo escrito:


2 cebolas
3 tomates

Manteiga

Café

Sabão


PS: Adriana, diga a Seu Olavo que na próxima semana eu passo pra quitar a dívida no caderninho. Não se esqueça de olhar em quanto está.


Adriana...

sábado, 29 de maio de 2010

Sete Mares



Desde pequeno um desejo lhe ardia o peito e lhe tirava o sono. Agora já era grande, dono de si. Sabia o que queria. Realizaria seu desejo. Conferiu os suprimentos, os mapas, e a embarcação. Partiu. Em terra firme deixou apenas um recado, fixado numa placa próxima ao porto:

“Vou navegar pelos sete mares. Sentirei saudades!”
Alberto

E lá se foi Alberto. Ninguém sabe de quem ele sentirá saudade. Não tem família, amigos, ou mulher. Não tem nada. Ou talvez seja o nada tudo que ele tem. Diante da imensidão do mar, quem sabe seja justamente do nada a saudade que já começava a invadir-lhe o peito. Boa viagem Alberto. Só não se esqueça de escrever.

quinta-feira, 20 de maio de 2010

A eterna epopeia do homem



De que vale o homem entender, cantar, escrever ou interpretar a alma feminina? Que fará mais ele da vida, depois de ter conseguido tal feito? Cantará feitos e glórias enquanto a vida passa? Pobre homem.

A grande - e eterna - epopeia masculina consiste na descoberta da alma de uma mulher. Nos jeitos, trejeitos, e rejeitos. Nas caras, na fala, e no silêncio. Jamais compreenderei a alma feminina.

Enquanto Jorges, Chicos, Tons e Vinícius, cantam as glórias de suas descobertas, eu sigo navegando sem saber quando, como, ou onde irei atracar. Refaço diariamente os cálculos e repenso as descobertas. Desfruto dos pequenos achados e reavalio os fracassos.

Da alma feminina não quero a glória. Sabe-se lá o que a alma de uma mulher nos guarda, e considero crime privar um homem dos prazeres dessas descobertas. Sou homem, sou navegador. Ela mulher. Mares nunca dantes navegados. Caminhando pelo seu corpo, guiado pela sua voz, ao som da sua respiração... vivo.


quinta-feira, 13 de maio de 2010

Dezesseis dias


"...sabendo que andei distante
Sei que essa gente falante vai agora ironizar
Ele voltou, o boêmio voltou novamente
Partiu daqui tão contente por que razão quer voltar"

E o que eu posso fazer se só aguentei 16 dias?

terça-feira, 27 de abril de 2010

Fim


Serei rápido e direto.

Fecharei as portas do blog por tempo indeterminado.

Motivo? Algo que deveria ser uma diversão tornou-se fonte de mediocridades.

Preciso reformular algumas coisas antes de um dia voltar a escrever.

Agradeço muito aos que leram, comentaram e criticaram. Principalmente ao Carlos, que tanto nos comentários quanto nos e-mails, sempre me deu boas orientações, dicas, e tecia ótimas observações. -Te encontro num Café!

Enfim, é isso. Quem sabe um dia eu volte e traga notícias sobre Helena, Alberto, Barbosa e sobre um cara que aos 83 anos descobriu que ainda tinha muito a aprender. Abraços, e até mais.

Considerações


Aos 25, recém-formado, com o cabelo despenteado e a barba mal feita, sentei-me à mesa do bar, pedi um whisky e pensei: "O que posso fazer pelo mundo?"

Aos 45, recém-separado, com o cabelo despenteado e a barba mal feita, sentei-me à mesa do bar, pedi uma cerveja e pensei: "O que posso fazer por mim?"

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Texto que suguei do blog da Helena.

domingo, 25 de abril de 2010

Possessão insone*


Não adianta ficar tentando. Hoje não dá... Já disse que não dá. Tô cansado. Tentei de tudo e não consigo. Não insista, não perturbe. Deixe-me em paz, por favor. Não aguento mais. Não vou te enganar dizendo que isso nunca aconteceu comigo. Aconteceu sim... Várias vezes. Mas é que já passa das 2h00 e você não me deixa dormir. Eu não consigo, já disse. Já falei que não consigo. Não consigo escrever nada...


Pronto! Satisfeita?


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*Baseado em fatos possessivamente reais ocorridos na madruga do dia 26 de abril de 2010.


quinta-feira, 22 de abril de 2010

Esfomeado


Como a morte sem calor;
vive sem respirar;
sem sede, sempre a beber;
encouraçado sem tilintar.
No seco sua derrota,
acha que uma ilhota
é alto monte;
acha que uma fonte
é sopro de brisa.
Macio, desliza!
Como é bom vê-lo!
Só quero que me deixe
Pegar meu peixe,
e depois comê-lo!

Smeagol (ou Gollum?)
J.R.R.Tolkien



(O Senhor dos Anéis - As Duas Torres: Livro IV, Cap. II "A passagem dos pântanos", Pág. 230)

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Na falta de inspiração, resolvi postar coisas interessantes que tenho lido.
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Smeagol domado


"Muitos que vivem merecem morrer. E alguns que merecem viver morrem. Você pode dar-lhes vida? Então não seja tão ávido para condenar à morte em nome da justiça, temendo por sua própria segurança. Nem mesmo os sábios conseguem ver os dois lados."
J.R.R. Tolkien


(O Senhor dos Anéis - As Duas Torres: Livro IV, Cap. I "Smeagol domado", Pág. 224)


sexta-feira, 16 de abril de 2010

Sentado eternamente em berço esplêndido


http://farm2.static.flickr.com/1206/555218911_814ac65ac2.jpg

Dezessete horas, esta é a quantidade de tempo que passo longe da minha cama, entre a hora que acordo e a que volto a dormir. Sete, é o número médio de ônibus que pego diariamente, segundo dados estatísticos dos dez dedos da minha mão. A cada sete ônibus que pego apenas dois ou três consigo me sentar. E desses dois ou três, apenas um tem vaga na janela.

Ah! A janela.

Santuário de descanso, onde recosto minha cabeça e durmo. Janela de ônibus. Olhando através dela penso que sou rei, bandido, velho, criança, penso apenas que sou eu. Ali é onde resolvo meus problemas, tomo decisões, crio projetos, salvo o mundo. Entre árvores, poste, shopping, poste, lojas, poste, crianças, poste, paradas (tsi!)... Poste... Penso no que farei mais tarde... Aos 83 anos.

Dizem que é dura, desconfortável, e o balanço do coletivo não ajuda. Digo apenas que é meu santuário. Meu berço. Desejaria uma viagem para bem longe, não importa onde fosse só queria ter tempo suficiente para repousar a cabeça e descansar na janela de um ônibus qualquer.


segunda-feira, 12 de abril de 2010

Salgado mais suco, é um e cinquenta


http://www.designup.pro.br/files/port/1262718634.jpg


A menina de sotaque carregado, do interior daquele Estado famoso, conversava comigo,enquanto a chuva batia na janela do ônibus, e eu tentava devorar um pastel de frango e um suco de cajá, que custou aos meus cofres a bagatela de R$ 1,50, ela falava entre, póitas e póiteras, sobre o quão difícil sua vida era. Quando seus pais rumaram ao nordeste, há cerca de dois anos, ela passou a morar em uma república com mais sete mulheres.

“Uma delas era veterinária e insistia em trazer animais estranhos para casa. Era gato sem pata, cachorro sem cabeça...”, contou. Não era difícil perceber a repulsa que a simples lembrança daqueles pobres animais trazia.

Ok, ela reconheceu o exagero na história do cachorro sem cabeça.

Após sair da república, a menina foi morar com o Joca.

Joca estudava Engenharia Florestal, e dedicava todo o seu dia ao cultivo e apreciação de certas ervas alucinógenas, cultivadas de forma caseira em pequenos jarros comprados na feira livre da Rua Felizardo Alegriano Mota. Ela nunca soube o nome de Joca.

“Nada contra - ela comentou – mas é que eu já não agüentava mais aquele cheiro adocicado que empestava minha roupa”.

A menina colocou as roupas em duas pequenas malas, e outros objetos menores numa pequena maleta, e saiu sem avisar nada. Alias, ela deixou um bilhete escrito na porta da farmacinha do banheiro: “Pare de fumar essa merda!”.

Sem avisar nada a ninguém, a menina de sotaque carregado que morava no Estado famoso, veio habitar junto com seus pais a província nordestina. Ela não sabe o que veio fazer aqui. Nem sabe direito porque ainda está aqui. Mas afirma que qualquer coisa é melhor que conviver entre animais mutilados e aromas adocicadas de ervas alucinógenas.

Hoje a menina pegou um ônibus num dia chuvoso e conversou comigo. Íamos para o mesmo destino. Contei as minhas desventuras e ela riu. Não que fossem engraçadas, ou que ela fosse besta. Ela apenas riu. Falei feito uma matraca sobre política, cultura e qualquer outra coisa que me veio à cabeça. E ela riu. Ao final, levantei e me despedi. Ela não lembrara meu nome. Incrivelmente minha memória não falhou. “-Tchau Helena!”.