E desceu correndo as escadas do “barato e vagabundo” quarto, que fedia à ressaca, tabaco e suor, trajando uma bermuda ainda desabotoada e um All Star vermelho – sem cadarço, comprado numa liquidação.
“ - Adriana! Adriana!”, gritava ofegante enquanto a moça de cabelos ondulados cruzava a esquina carregando sacolas de compras – possivelmente entre todas aquelas coisas, haviam duas cebolas, três tomates, manteiga, café e sabão.
Olhando assustada, a primeira coisa que ela pensou foi: “– Como esse idiota descobriu meu nome? Só pode ser um maníaco, um doente, um... um... um...”. Seus pensamentos foram interrompidos por algo que há muito ela desejava ouvir.
“ – Adriana, você quer ajuda pra carregar as compras? Posso te ajudar a aliviar esse peso.”
Imediatamente – como se uma espécie de interruptor tivesse sido acionado – Adriana desabou num choro. Alberto não podia, não conseguia, e nem sabia o que dizer. Só o peito molhado pelas lágrimas de Adriana já dizia tudo o que não precisava ser dito.
Conforme o impacto das palavras de Alberto foi passando, Adriana se deu conta da sua situação. Toda a carapaça de durona, forte, sólida, que lutara para construir, ruía sob os olhares de um homem que ela mal lembrava o nome. Afastou-se de Alberto, e com os olhos baixos e molhados, proferiu apenas um “- Me desculpe!”, meio soluçado.
Alberto continuava de pé, ainda não conseguia achar as palavras certas.
“- Você não tem idéia de quantos anos esperei por alguém que me ajudasse a aliviar todo o peso que sinto. Toda a dor que suporto. Todo o fardo que levo...”. Respirou fundo e continuou. “- Não precisa dizer mais nada. Seu peito já me disse tudo o que eu desejava ouvir. Obrigado, muito obrigado! Agora vá, e, por favor, não me interprete mal, mas acho que você achou o que procurava em sua jornada. Siga viagem, tome seu rumo.”
Enfim as palavras chegaram à boca de Alberto.
“- Não, não posso ir embora. Eu preciso te conhecer...”
“- Deixe-me primeiro saber quem sou, deixe-me que eu me descubra. Durante anos me senti presa. Durante anos não me senti. Você me fez perceber que eu tenho uma vida inteira pra viver. Seu ar de aventureiro fez com que eu recolhesse as ancoras, e durante toda a noite de ontem, após ter falado com você, costurei as minhas velas e voltei a traçar mapas e rotas. Deixe-me navegar também, e algum dia nós nos encontraremos. E, por favor, não diga mais nada. Não insista em ficar. Sua permanência aqui atrapalharia tudo. Você perderia muito tempo tentando descobrir algo que ainda não merece ser conhecido.”
E dizendo essas palavras, Adriana largou as sacolas - deixando cair as duas cebolas, os três tomates, a manteiga, o café e o sabão – virou as costas e saiu. Foi navegar.
Alberto estava feliz. Tristemente feliz. Tudo o que ele sabia daquela mulher, era que ela se chamava Adriana. Coincidentemente, isso também era tudo o que ela sabia sobre si.
Voltando ao quarto, ele arrumou as suas poucas coisas, pagou a conta e partiu.
Estava de volta ao mar, à procura de novos portos.
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