segunda-feira, 12 de abril de 2010

Salgado mais suco, é um e cinquenta


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A menina de sotaque carregado, do interior daquele Estado famoso, conversava comigo,enquanto a chuva batia na janela do ônibus, e eu tentava devorar um pastel de frango e um suco de cajá, que custou aos meus cofres a bagatela de R$ 1,50, ela falava entre, póitas e póiteras, sobre o quão difícil sua vida era. Quando seus pais rumaram ao nordeste, há cerca de dois anos, ela passou a morar em uma república com mais sete mulheres.

“Uma delas era veterinária e insistia em trazer animais estranhos para casa. Era gato sem pata, cachorro sem cabeça...”, contou. Não era difícil perceber a repulsa que a simples lembrança daqueles pobres animais trazia.

Ok, ela reconheceu o exagero na história do cachorro sem cabeça.

Após sair da república, a menina foi morar com o Joca.

Joca estudava Engenharia Florestal, e dedicava todo o seu dia ao cultivo e apreciação de certas ervas alucinógenas, cultivadas de forma caseira em pequenos jarros comprados na feira livre da Rua Felizardo Alegriano Mota. Ela nunca soube o nome de Joca.

“Nada contra - ela comentou – mas é que eu já não agüentava mais aquele cheiro adocicado que empestava minha roupa”.

A menina colocou as roupas em duas pequenas malas, e outros objetos menores numa pequena maleta, e saiu sem avisar nada. Alias, ela deixou um bilhete escrito na porta da farmacinha do banheiro: “Pare de fumar essa merda!”.

Sem avisar nada a ninguém, a menina de sotaque carregado que morava no Estado famoso, veio habitar junto com seus pais a província nordestina. Ela não sabe o que veio fazer aqui. Nem sabe direito porque ainda está aqui. Mas afirma que qualquer coisa é melhor que conviver entre animais mutilados e aromas adocicadas de ervas alucinógenas.

Hoje a menina pegou um ônibus num dia chuvoso e conversou comigo. Íamos para o mesmo destino. Contei as minhas desventuras e ela riu. Não que fossem engraçadas, ou que ela fosse besta. Ela apenas riu. Falei feito uma matraca sobre política, cultura e qualquer outra coisa que me veio à cabeça. E ela riu. Ao final, levantei e me despedi. Ela não lembrara meu nome. Incrivelmente minha memória não falhou. “-Tchau Helena!”.

13 comentários:

  1. Desculpa minha prepotência mano!
    http://ex-tragado.blogspot.com/2010/04/um-outro-lado.html

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  2. Acho que todo mundo passa por uma dessa no busão.

    Só que, Helena, é um caso bom por se passar, ao contrário de tantos outros que é bom se evitar.

    Me senti tão bem lendo esse texto... queria conhecer a Helena.

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  3. Já passei por isso, e adivinha que a garota que conheci era surda, me desdobrei um pouco pra conversarmos, foi bem maluco.

    Esse na minha opinião foi o mehor que ja li de sua autoria ;)
    beijo.

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  4. Foi um dos textos mais lindos que li sobre as coisas mais insignificantes que vivi.

    Obrigada, Alex.

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  5. então foi tudo verdade? hahaha legal a história, ótimo texto :D

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  6. Velho, eu achei de uma genialidade sem fim, achei que fosse um tipo de série, e senti toda e qualquer liberdade poética pra escrever parte de um capitulo! hahahahahaa
    abraço mano!

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  7. Cara, eu quero um suco de cajá.

    Mas minhas histórias acontecem tb nas paradas depois de um rodízio de comida chinesa e uma saga sem sucesso em busca de sinuca com amigos.

    Em qualquer Prozac desse, te conto.

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  8. Esse meu namorado é fantástico! *___*

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  9. A vida viaja em banco de ônibus. Sacoleja. Bebe suco, tem a roupa encharcada de suor, sotaque e cheiro conhecido de fumaça e fritura. A vida, todo dia, "faz tudo sempre igual", como no cotidiano do poeta que jura não ser poeta. A vida viaja, nos erres enrolados, no gosto de cajá, no odor adocicado que ficava na roupa dela, na precisa lembrança dele. A vida viaja.

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  10. Valeu aí a todos que comentara... Brigadão mesmo!

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  11. Cara, de tantas Helenas, esse blog anda parecendo uma novela de Manoel Carlos!

    Estás de parabéns com força! Essa postagem está entre as melhores do teu blog!!!

    Abração.

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  12. Concordo com o comentario anterior. ;)

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