A menina de sotaque carregado, do interior daquele Estado famoso, conversava comigo,enquanto a chuva batia na janela do ônibus, e eu tentava devorar um pastel de frango e um suco de cajá, que custou aos meus cofres a bagatela de R$ 1,50, ela falava entre, póitas e póiteras, sobre o quão difícil sua vida era. Quando seus pais rumaram ao nordeste, há cerca de dois anos, ela passou a morar em uma república com mais sete mulheres.
“Uma delas era veterinária e insistia em trazer animais estranhos para casa. Era gato sem pata, cachorro sem cabeça...”, contou. Não era difícil perceber a repulsa que a simples lembrança daqueles pobres animais trazia.
Ok, ela reconheceu o exagero na história do cachorro sem cabeça.
Após sair da república, a menina foi morar com o Joca.
Joca estudava Engenharia Florestal, e dedicava todo o seu dia ao cultivo e apreciação de certas ervas alucinógenas, cultivadas de forma caseira em pequenos jarros comprados na feira livre da Rua Felizardo Alegriano Mota. Ela nunca soube o nome de Joca.
“Nada contra - ela comentou – mas é que eu já não agüentava mais aquele cheiro adocicado que empestava minha roupa”.
A menina colocou as roupas em duas pequenas malas, e outros objetos menores numa pequena maleta, e saiu sem avisar nada. Alias, ela deixou um bilhete escrito na porta da farmacinha do banheiro: “Pare de fumar essa merda!”.
Sem avisar nada a ninguém, a menina de sotaque carregado que morava no Estado famoso, veio habitar junto com seus pais a província nordestina. Ela não sabe o que veio fazer aqui. Nem sabe direito porque ainda está aqui. Mas afirma que qualquer coisa é melhor que conviver entre animais mutilados e aromas adocicadas de ervas alucinógenas.
Hoje a menina pegou um ônibus num dia chuvoso e conversou comigo. Íamos para o mesmo destino. Contei as minhas desventuras e ela riu. Não que fossem engraçadas, ou que ela fosse besta. Ela apenas riu. Falei feito uma matraca sobre política, cultura e qualquer outra coisa que me veio à cabeça. E ela riu. Ao final, levantei e me despedi. Ela não lembrara meu nome. Incrivelmente minha memória não falhou. “-Tchau Helena!”.
Desculpa minha prepotência mano!
ResponderExcluirhttp://ex-tragado.blogspot.com/2010/04/um-outro-lado.html
Acho que todo mundo passa por uma dessa no busão.
ResponderExcluirSó que, Helena, é um caso bom por se passar, ao contrário de tantos outros que é bom se evitar.
Me senti tão bem lendo esse texto... queria conhecer a Helena.
Já passei por isso, e adivinha que a garota que conheci era surda, me desdobrei um pouco pra conversarmos, foi bem maluco.
ResponderExcluirEsse na minha opinião foi o mehor que ja li de sua autoria ;)
beijo.
Foi um dos textos mais lindos que li sobre as coisas mais insignificantes que vivi.
ResponderExcluirObrigada, Alex.
então foi tudo verdade? hahaha legal a história, ótimo texto :D
ResponderExcluirVelho, eu achei de uma genialidade sem fim, achei que fosse um tipo de série, e senti toda e qualquer liberdade poética pra escrever parte de um capitulo! hahahahahaa
ResponderExcluirabraço mano!
Cara, eu quero um suco de cajá.
ResponderExcluirMas minhas histórias acontecem tb nas paradas depois de um rodízio de comida chinesa e uma saga sem sucesso em busca de sinuca com amigos.
Em qualquer Prozac desse, te conto.
Esse meu namorado é fantástico! *___*
ResponderExcluirA vida viaja em banco de ônibus. Sacoleja. Bebe suco, tem a roupa encharcada de suor, sotaque e cheiro conhecido de fumaça e fritura. A vida, todo dia, "faz tudo sempre igual", como no cotidiano do poeta que jura não ser poeta. A vida viaja, nos erres enrolados, no gosto de cajá, no odor adocicado que ficava na roupa dela, na precisa lembrança dele. A vida viaja.
ResponderExcluirValeu aí a todos que comentara... Brigadão mesmo!
ResponderExcluirCara, de tantas Helenas, esse blog anda parecendo uma novela de Manoel Carlos!
ResponderExcluirEstás de parabéns com força! Essa postagem está entre as melhores do teu blog!!!
Abração.
Concordo com o comentario anterior. ;)
ResponderExcluirObrigado, jovens! :D
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