quinta-feira, 3 de março de 2011

Bolsa Fone – Ou sobre a capacidade de ser feliz num ônibus lotado em horário de pico


Lê-se no adesivo: "Doa-se fone de ouvido - Você escuta música com o alto falante do celular? Eu posso te ajudar!


Não há como ser feliz num ônibus lotado em horário de pico. Não importa sua religião, filosofia de vida, ou qual livro de autoajuda você está lendo no momento. Não há como ser feliz num ônibus lotado em horário de pico. O inferno tem hora marcada. Das 6h às 8h, das 12h às 14h, e das 18h às 19h. Duas senhoras começam a brigar. Uma reclama da outra que a outra empurrou. No ônibus em que 78 pessoas estão sentadas, 95 em pé, 26 penduradas, e três no colo do motorista, a coisa mais difícil do mundo é saber quem empurrou quem. Uma diz que a mulher tem bunda grande. A mesma agradece e xinga a outra que “não tem”. Nesse bate-boca uma criança começa a chorar. A mãe, aparentemente uma marinheira de primeira viagem, dá chupeta, balança, empurra uma mamadeira, brinquedo, canta, até que enfia o peito na goela do menino. Silêncio. Nesse comboio do inferno, o cobrador, de parada em parada, faz uma participação especial mandando todo mundo afastar pra dar mais espaço e caber mais passageiros. Entre os dentes, ele manda também – de todo o coração - cada um tomar no seu devido lugar. As senhoras idosas, com mais de 60 anos, também aparecem de parada em parada, gritando o mais alto que podem e reclamando das pessoas que não cedem seus lugares. Principalmente um grupo de estudantes de Ensino Médio de alguma escola particular, onde os pais pagam uma mensalidade na faixa de R$ 500 para os filhos passarem no vestibular. Educação não está incluso, isso já é assunto pra outros 500. Sinal vermelho. Ônibus parado. Uma pessoa passa, do lado de fora do ônibus, entregando folhetos de uma loja de eletroeletrônicos pela janela. Celulares que tiram foto, telefonam, e tocam mp3. Agora sim o inferno começa a esquentar. Provavelmente foi num desses folhetos de lojas de eletroeletrônicos, que o sujeito moreno, sentado, encostado na janela, camiseta regata, boné colorido, comprou seu telefone bacana dividido em 12 parcelas iguais de R$ 49,92 sem juros no cartão da loja. Sem se preocupar com a situação caótica em que ônibus se encontra – e por que não dizer em que o mundo se encontra – o sujeito pega seu celular, clica no menu, seleciona a opção “Player/Tocador de mp3”, e executa seu arsenal de “músicas legais” e “hits de carnaval” – também encontrado na versão “hits de vaquejada” – no volume mais alto do seu aparelho de telefonia móvel, ignorando completamente a maravilhosa e revolucionária invenção dos fones de ouvido. O projeto para erradicação da pobreza, presente no atual governo do Brasil, foi denominado Bolsa Família. Eu acredito que toda pessoa precisa ser feliz. E é por isso que eu digo que não há como ser feliz num ônibus lotado em horário de pico, e com um sujeito escutando músicas em seu celular sem a utilização de um fone de ouvido. Talvez ele tenha que alimentar a família, pagar o aluguel, conta de água, luz, passagens. Tento encontrar alguma explicação, por mais absurda que possa parecer, para justificar a não aquisição de fones de ouvido por parte desses senhores. Assim como o Bolsa Família tem feito algumas famílias mais feliz, acredito que um Bolsa Fone faria muito mais. Um financiamento, por parte de Governo Federal, para aquisição de um fone de ouvido para cada portador de celular com tocador de mp3, seria uma iniciativa que faria o cotidiano, o dia-a-dia, a vida, o Universo, mais feliz. Os ônibus continuariam lotados, as pessoas continuariam se empurrando, as mulheres de bunda grande continuariam com seus glúteos avantajados, as crianças continuariam chorando, o cobrador continuaria mandando o pessoal tomar nos seus devidos lugares, as senhoras continuariam reclamando da falta de educação dos estudantes de Ensino Médio da escola particular que por R$ 500 faz seu filho passar no vestibular. Tudo continuaria da mesma forma. Com exceção do rapaz, que estaria contente por poder escutar suas “belas” músicas em paz. Entendo que seja difícil não poder compartilhar seu gosto musical com outras pessoas presente no mesmo transporte coletivo, e que possivelmente estejam interessadas nas mesmas músicas. Mas garanto que ele poderá descobrir como é fascinante a tecnologia extraordinária de um fone de ouvido, e só assim eu poderia reescrever todo esse texto falando da possibilidade de um cidadão ser feliz ao pegar um ônibus lotado em horário de pico.

6 comentários:

  1. Ah, ótimo texto, adorei! Retrato hilário (e deprimente) do nosso cotidiano dependente do sistema público de transporte

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  2. Eu xingo muito mentalmente. Sem mais, falou tudo, com essa pitada de humor e um bocado de revolta xD

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  3. Nossa! Que desabafo! Li tudo de um só fôlego!Ufa!
    Adorei.

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  4. Sabe, Alex? Da próxima vez que isso acontecer, vou me lembrar de perguntar ao dito cujo os motivos de não usar um fone de ouvidos. Provavelmente vou ser xingada, eu sei. Mas realmente vou tentar, nem que seja pra entender.

    Muito, muito bom seu retrato.

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  5. Olá passo em seu blog para convidar você a visitar o meu que é dedicado a cultura. De segunda a sexta feira noticiário cultural aos sábados minha coluna poética ás 09 horas da manhã e ás 5 da tarde Chá das 5 sempre com uma participação especial. Irei guardar sua visita lá. Abraços sucesso em seu blog.

    Magno Oliveira
    Twitter: @oliveirasmagno ou twitter/oliveirasmagno
    Telefone: 55 11 61903992
    E-mail oliveira_m_silva@hotmail.com

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  6. Mano, você tá morando na zona leste de sampa? Damn it! hahahah

    Velho, eu queria filmar este texto, varios narradores, cada um com seu sotaque, cada um com seu ônibus, cada um com seu DESESPEEERO contemporâneo, como fazemos isso?

    abraço mano!
    Texto magavilhozo.

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